Corte e costura: de nó, excesso e afeto.

O excesso é a igreja de todos os desistentes. É o confessionário dos que já não temem o pecado porque nele reside a redenção. Não se costuram despedidas sem exageros. A linha única e suficiente para alinhar a vida só dá corda para um novelo. O alfaiate que se dedica ao nó, ao ponto, usa mais que o tubo de linha usual. Não se faz um fim com mesuras. Não se agarra às esperanças com nó frouxo, sem força, sem exagero.

Dói, é verdade. A agulha pica até quem não a manuseia. Dói também para quem provoca a dor sem a intenção. Dói porque é repetição. Um alfaiate que costurou e puxou nós a vida toda daquela forma não consegue desaprender do próprio ofício uma maneira mais delicada. Eu, alfaiate, não sei puxar nós sem excesso. Excesso de linha. Excesso de dor.

É sobre ser a forma de sentir. Sobre não conseguir docilizar e adestrar dor. Mas desses excessos se faz muito. Se tece mais corda. Mais nó.

Eu, que nunca frequentei curso de marinheiro, experimentei de vários nós. Faltou aí o excesso. Excesso de força para o ponto certo. Excesso inclusive de inibição para docilizar a dor agora, que escorre pela tinta do texto. Já vi por menos metáforas um diagnóstico inteiro ser tecido.

O alfaiate sente dor. E vergonha por não saber tecer de outra forma. Enquanto costura, ele também sente receio. O que seria de Fernando Pessoa com seus heterônimos com todos esses doutores em diagnóstico de plantão, ávidos por analisar literatura com o dicionário não do Pasquale, mas do DSM?

A alfaiataria é realmente de um labor desmedido. Poupo os que quebram cabeça para interpretar lacunas: alfaiataria é também lidar com o outro. É corte e costura. Em alguns pontos, excesso de linha. Nó. Desenlace. Do nó ou do afeto.

Raíssa Victória Muniz
26/10/19

Nenhum comentário:

Postar um comentário