Humana demais.



Eu ouvi durante uma noite inteira o capricho de um sono sem sonhos. E pela primeira vez em anos, meus fantasmas noturnos não me assombraram com a mesma magnitude. Mesmo entorpecida, eu acordei com a certeza de que estava cada vez mais viva. Sentia meu coração pulsar. Por brincadeira da mente, Sylvia Plath sussurrava naquele instante: "Eu sou, eu sou, eu sou." Não era a dor que me fazia mais viva. Não era a percepção da inflamação na mão esquerda, tampouco se tratava do meu estômago que continuava a dançar desde a madrugada agitada. Não eram as lembranças de ter um tubo invadindo meu nariz, minha garganta, meu estômago. Não era a raiva, a incapacidade de ter sido saudável o suficiente para responder à altura às enfermeiras que se remexiam como formigas na chuva. Não era a sensação de estar ali, na sala de reanimação, entubada e furada em braços e mãos. Não era nem mesmo o anunciar médico. Foi o choro de quem luta para viver. De quem se agarra aos meios, ao centro do seu ser - e me parece ser muito complicado usar essa metáfora hoje. O centro do meu ser foi invadido e entubado. O coração ainda pulsava, estarrecido. "Eu sou, eu sou, eu sou." Não sei se alguém tinha dormido naquela casa. Nem ao menos conseguia me levantar para constatar. Ouvi, na casa ao lado, cânticos de natal que agradeciam pelo novo dia. E eu, que nunca imaginava a surpresa que a madrugada iria trazer, cantei junto com eles. Eu sou, eu sou, eu sou. Eu quero viver. Eu quero não ser surpreendida, nunca mais, por efeitos colaterais como esse. Eu quero suportar o tratamento. Não por ser forte como um dia eu imaginei ser. Mas por ser demasiadamente humana. Humana de um modo que só o "quase" da vida me trouxe. Eu sou, eu sou, eu sou. Humana, humana, humana.


Raíssa Muniz
20/05/14

Nenhum comentário:

Postar um comentário