Ex-preso político revela memórias de censura após 5 prisões e reclusão no Canadá, no período da Ditadura Civil-Militar.

Na ocasião da entrevista. Da esquerda para direita: João Guilherme Lopes, o entrevistado Antônio José Medeiros, Raíssa Muniz e Nicácia Carvalho.

Texto escrito por Raíssa Muniz

Entrevista realizada no dia 24/05/14.


No cerne da ditadura civil-militar, o Brasil urrava na dualidade de opressão e resistência.  Muitos locais já são largamente estudados pela historiografia nacional, embora outros permaneçam com pesquisas mais tímidas — conquanto de cunho igualmente grandioso.  O estado do Piauí está incluso no segundo grupo.  Ainda que geograficamente afastado da região que concentrava os conflitos, o Piauí guarda até hoje memórias vivas daquele período.  Como grande exemplo, temos Antônio José Castelo Branco Medeiros, que hoje tem 64 anos e é natural de União – PI.  Na época da opressão, Antônio era solteiro, vivia em Teresina — em uma pensão de estudantes — e cursava Filosofia.  Atualmente, é classificado como professor universitário aposentado, ex-docente da UERJ, doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília, ex-vereador de Teresina e ex-deputado estadual e federal do Piauí.  Ademais, longe de falar sobre a censura ditatorial apenas como estudioso ou observador, Antônio traz uma peculiaridade por trás do semblante sereno: é um ex-preso político da ditadura.  Líder de movimentos estudantis e membro de um círculo social esquerdista, foi preso 5 vezes em caráter oficial, embora traga consigo outros tantos episódios de repressão daquele período.

“Havia essa censura de livros, de música, e a censura na própria imprensa.  Evidentemente as pessoas passaram a pesar e a medir o que falavam.  A gente se reunia clandestinamente.  Cada um ia por um caminho.” Começou ele, relembrando como as relações sociais passaram a funcionar naquele período.  Quando indagado se tinham algum código de encontro, respondeu: “Quando fui ao congresso da UNE, recebi instruções específicas.  Você vai ao bar tal, vai ter uma pessoa lendo um jornal, fumando um charuto e com um relógio no braço direito.  Aí você chega para ele e pergunta: ‘Por favor, que horas são?’ E ele terá de responder: ‘Que horas você quer que seja?’ Se a pessoa lhe responder isso, é essa a pessoa que vai lhe levar ao local do Congresso.  Tinha então aquilo que a gente chamava de ponto de encontro.  Havia esse cuidado do que falar, onde falar, com quem falar.” Antônio, indo de um ponto ao outro, descreveu também como era feito o transporte dos presos para os interrogatórios.  “Éramos algemados e encapuzados.  Fomos levados aos interrogatórios na traseira de uma pick-up, não tiraram o capuz nem quando foram nos interrogar.  Naquele momento eu achei que seria seriamente torturado.” Entre outras tantas situações, sua prisão quando morava no Rio de Janeiro trouxe-lhe lágrimas aos olhos durante a entrevista.  As lembranças da censura e dos anos que passou à espera de julgamento ainda retornavam.  “Nessa época”, continuou ele, “eu ficava na minha cela pensando se ia ser condenado ou não.  Se ia ser uma pena pequena ou uma pena grande.  E aquilo parecia que não ia acabar nunca.  Eu tinha essa insegurança.  Nada podia ser dito.”
Chico Buarque era, segundo o entrevistado, o grande ícone daquela luta.  Em uma de suas revelações, conta que foi convidado por uma amiga até a sua casa e se trancaram no quarto para ouvir a nova canção do compositor: Apesar de Você.  A canção, composta em 1970, também já foi usada para atacar o governo Geisel.  “Apesar de você” exemplificava a relação que Chico travava com o comandante.  Segundo Antônio José, nosso entrevistado, a filha de Geisel apreciava a música de Chico Buarque.  Tais versos demonstram também as formas de resistência e ataque.  Assim, o pesquisador conduziu a conversa, citando também o período que precisou passar recluso no Canadá.  “Encontrei-me com colegas exilados que ali também fincavam refúgio”, explicou.  Dessa forma, retomou uma discussão que não era vista de forma tão profunda por leigos, no Piauí.  Retornando à Brasília para continuar seu doutorado, ele finalizou com a declaração de que iria enfim continuar no berço daquilo que o levou por tantos percalços: a busca pela criticidade.

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