"Eu tinha uma Pasárgada. Ou costumava ter.
Era guerreira, irremediável águia.
Amiga não só do rei, mas de um povo todo
De nobres, burgueses, diminutos e clérigos
Eu costumava andar de bicicleta
Na mesma rua, todo dia, toda hora
Quando meu maior objetivo era apenas poder ir até a rua ao lado
Eu costumava jogar xadrez
E via a vida com uma percepção que hoje já não tenho
De um jogo entremeado
Tão previsível e curto
Eu costumava me olhar no espelho
Tão resoluta, eu tentava me roubar de mim
E ria
Nunca fui boa ladra
Eu costumava brincar de ser escritora
Uma brincadeira séria, considerada
Nunca esse desrespeito que faço aos 16
Eu costumava ter amigos
Amigos meus, por mim idealizados
Costumava desenhar meus amigos
Escrever para meus amigos
Descrever meus amigos
Ser uma amiga com amigos
Eu costumava falar com Deus
Nunca esperei que me escutasse
Negligente, talvez o carneiro mais desvirtuado que já pastou por aqui
Descobri minha própria fé
Meu próprio amor
Minha própria arte
Meu próprio espelho
Minha própria rua
E meu próprio jogo
Meu xadrez nunca foi bem jogado
Meu espelho nunca foi bem polido
Minha arte nunca foi respeitada
Nem meus amores serão eternos
Fui-me embora pra Pasárgada
Já não sou amiga do Rei
Já não tenho o amor que quero
Na vida que escolherei
Fui-me embora pra Pasárgada
E no paraíso descobri
Que só a vida pode ser vida
Encerro e admito:
Eu adoro essa putrefação"
Raíssa Muniz
25/05/14