Austera,
metamorfoseada e metamorfoseante.
Cercada por
pesquisas, raios-X, olhares atentos e observações descuidadas. Outrora fora
pressionada, mudada e drenada até que a última gota de sensibilidade lhe fosse
retirada. Hoje, era ela que drenava. Entre palavras, entre observações, entre
pós-escritos. Drenava sempre.
Não parecia
ser a mais confiável das mulheres; pelo contrário: aparentava uma antipatia tão
desvanecedora que repelia todos os pensantes mentais de seu convívio. Sim,
pensantes mentais. À primeira vista, um pleonasmo. À segunda, um
enriquecimento.
Ainda
conseguia chamar para si os pequenos sorridentes. Os desbravadores de corações
endurecidos, os pensantes sentimentais. Há quem diga que eles também usavam da
racionalidade, mas a contrapartida é rápida: Petrine não permitia que fosse
interpretada racionalmente. Aos olhos da razão, era uma nefanda. Aos do
coração, era uma amiga.
Talvez por
facilmente se misturar entre os pequenos, ela se acomodava confortavelmente.
Cruzava as pernas, buscava brinquedos, trocava ideias. Comentava sobre o último
lançamento da Mattel. Demonstrava interesse por a última temporada dos Ursinhos
Carinhosos. Era uma completa releitura de criança.
E ela
continuava nesse impasse: aos adultos, era uma mulher fria. Aos pequenos, era
uma criança tão doce e infantil como qualquer outra. Há também quem narre as
conversas que mantinha com seus jovens amigos. Eu, particularmente, nunca pude
constatar se eram verdadeiras.
Apenas uma
vez, quando eu tentava desemaranhar minhas divagações em pleno âmbito público,
ela abriu a porta por uma primeira vez naquele dia. Abriu com desenvoltura, seu
pequeno corpo demonstrando segurança até para segurar a maçaneta. Olhei para
aquela figurinha, esperando ver a mesma expressão fria de sempre. Seus traços
herdados da família italiana, no entato, fitavam ainda outra figura – menor
ainda que ela própria. Em vez de uma expressão fechada, de lábios contraídos e
observações inquietantes, sua face se tomava por olhos preocupados, quase que
exalando ares maternos.
Ela olhava
para um dos pequenos amigos. Um menininho com seus 5 anos que apertava um
carrinho contra o peito de forma tão forte que parecia machucá-lo.
Naquele
momento, mais uma inquietação me veio à mente: eles estavam brincando com
aquele carrinho. Ele sorriu, despediu-se, caminhou até a porta e, ao chegar até
a mesma, voltou correndo. E pulou para os braços de Petrine.
Ela o segurou
de forma ainda mais forte que o mesmo fizera com o carrinho, segundos antes.
Abraçaram-se, trocaram cordialidades. Meus olhos se limitavam a se arregalarem.
O menino, uma
vez chamado pelo pai, caminhou novamente até a porta. Dessa vez de forma mais
calma, mais doce, mais natural. Deu um último aceno à pequena grande amiga. Ela
acenou de volta.
De repente,
pareceu que tudo havia voltado ao normal. E realmente, isso tinha acontecido.
Petrine voltara a ser a mulher impassível de sempre. Lançou outros olhares
observadores. Passou por mim demonstrando tanta atenção como qualquer cego
daria a uma decoração de parede. Dirigiu-se até outros tantos pequeninos,
levando-os pela mão.
Nesse
momento, finalmente consegui parar de fitar seus olhos para perceber o resto da
expressão. As crianças pulavam, conversavam animadas. Uma menininha pulou para
o seu abraço, tal qual o garoto do carrinho. Ela sorriu, dando um beijo nas
faces da colega mais experiente.
E pela
primeira vez, constatei algo que há meses tentava observar: Petrine também
sabia sorrir.
Raíssa Muniz – 19/07/12