Princesinha Clarabólica

Humberto Gessinger e sua filha Clara

Não sei se foi só o fato de escutar os versos que Humberto Gessinger fez para sua filha Clara. Talvez tenha sido bem mais que isso. Resumindo com um único verbo: esbofeteou.
Imaginem passar quase três meses engolindo em porções generosas que tudo que viu, ouviu e sentiu não passava de uma farsa. Imaginem acordar todos os dias tendo como único objetivo do dia esquecer o que tinham lhe confiado durante o sono. Imaginem conseguir tudo isso. E em 02:34 de música relembrar tudo aquilo que você lutou tanto pra esquecer. Não só relembrar imagens, sons, impressões; refiro-me a sentimentos também.
E com versos tão simples, chorar. Porque por mais que a música seja singela, pura, feita de um pai para uma filha, veio em um momento que eu achava estar preparada para viver qualquer coisa sem precisar me apoiar em “quases”, em incertezas. Com palavras tão curtas, percebi que bem maior que minha ilusão anterior, era essa de achar que poderia viver alheia a qualquer fato passado.
Acho que é essa uma das armadilhas que “Parabólica” preparou para mim. Ouvi pela voz do Gessinger. Descobri que era feita de um pai para uma filha. Percebi que tinha sido feita no mesmo ano do nascimento de sua filha, em 1992. Notei que palavras como “saudade”, “cuidado”, “medo” e “ingenuidade” estavam bem mais que implícitas em cada verso proferido. E o mais simples, mas também o mais importante: a detentora de toda essa reviravolta se chama Clara.
E querendo ou não impedir, a armadilha me abraçou.

Porque mesmo me esquivando, me escondendo e tentando seguir outro caminho, sei que nunca vou conseguir fugir completamente desta lembrança. Tampouco conseguirei esquecer qualquer momento que vivi nestes últimos anos – ou vidas, metaforicamente ou não.
Sei também que nunca conseguirei esquecer aquele 20 de julho, quando eu a vi pela primeira vez. Mal percebia eu que via também o motivo de todas as mudanças que aconteceriam nos meses que estavam por vir.
E bem mais representativo que descobertas, momentos e emoções, está aquele nome – quase que pairando por cima de tudo que aconteceu: Clara.
Dizem que quando a informação é grande demais, dificilmente o escritor consegue passar para o papel. Acho que é exatamente isso que está acontecendo agora.
Não sei se é uma mistura de percepções. Se é o fato de, desde o início, ter me emocionado com a história dela. Se é a convicção de que foi ela que me aproximou de uma das pessoas que mais amo hoje. Ou se é notar que, mesmo tentando esconder, nunca mais conseguirei ouvir este nome sem engolir um sentimento que parece não se adequar ao momento.
Não sei se é o fato de ter visto bem mais do que impressões. Ou se é a nostalgia dos sonhos que pareciam tentar acalmar quando todo o resto desmoronava. Talvez seja tudo isso.
Parece que justamente quando você está seguindo outro rumo, algo te faz voltar à realidade que nunca deveria ter saído. Parece não, hoje já tenho certeza disso.
Uma realidade que ainda dói. Uma verdade que ainda é difícil acreditar. Uma percepção de que, independente do meu apego a qualquer pessoa hoje, tudo que aconteceu não me deixa seguir o caminho que tão cuidadosamente tentei traçar – ignorando todas as dolorosas verdades que hoje retornam.
E, finalmente, as lembranças. De uma menininha de cinco anos, tão clara e loira quanto o próprio nome que carrega hoje. De uma adolescente de cabelos pretos, já não tão branca, mas de uma grandiosidade e transparência incríveis. De alguém que estava lá quando eu precisei conversar. De alguém que não se negava e me dizer coisas que nunca revelei quando as dúvidas me assolavam. De alguém que desmistificou a ideia de que para abraçar é necessário ter contato direto com a outra pessoa. Sempre tão transparente. Sempre tão Clara.
Ontem eu levava a ideia de que conhecê-la tinha sido produto da minha imaginação. Hoje não posso dizer o mesmo. Não só por ter, sem querer, pegado este CD tão empoeirado e ouvido “Parabólica”, me fazendo relembrar involuntariamente tudo que tentei esquecer.
Falam que você não pode negar algo que, naquele exato instante, está bem na frente dos seus olhos. Estou nesta situação agora.
Humberto Gessinger já resumiu tudo em 1992: “Ela para e fica ali parada, olha-se para nada. Fica parecida pára-raios em dias de sol para mim. Prenda minha, parabólica. Princesinha parabólica. O pecado mora ao lado... E o paraíso paira no ar. Se a TV estiver fora do ar, quando passarem os melhores momentos da sua vida... Pela janela, alguém estará de olho em você, completamente paranoica... Prenda minha, parabólica. Princesinha Clarabólica. Paralelas que se cruzam em Belém do Pará. Longe, longe, longe, aqui do lado. Paradoxos: nada nos separa. Eu paro e fico aqui, parado. Olho-me para longe... A distância não nos separa...bólica.”
Não tenho mais o que colocar aqui – ela provavelmente já sabe o que pouparei este texto de carregar.
A única coisa que não fiz ainda foi agradecer publicamente, externando tudo que meus pensamentos procuram expressar. Agradecer por ter sido tão maravilhosa, por realmente ter servido com uma antena parabólica para mim, trazendo inspiração até quando eu imaginava não conseguir escrever. Agradecer por também ter usado esse dom parabólico para me presentear com pessoas maravilhosas. E, principalmente, agradecer por ter sido tão genorosa a ponto de me apresentar à própria mãe, sem ciúme ou apego excessivo nenhum. Por, com esse ato, ter me feito conhecer uma das pessoas mais incríveis que conheço hoje. Por ter feito eu me sentir como sua irmã. E, finalmente, por ter feito eu perceber que tenho duas das melhores amigas que alguém poderia ter. Uma diretamente comigo, outra cada vez mais presente na minha vida, mas de outras formas.
Não há mais o que falar. Palavras seriam inúteis. Todo o conteúdo deste texto poderia ser resumido com uma única frase: Obrigada, Clara.

Raíssa Muniz
11 de agosto de 2012.


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